Da Natureza das Coisas
Da Natureza das Coisas
“Uma fotografia é um segredo acerca de um segredo, quanto mais nos diz menos sabemos” [Diane Arbus]
Nesta série de imagens realizadas por Valter Vinagre, entre 1999 e 2003, o fotógrafo capturou um objeto que nos remete para uma ideia de intimidade – um colchão – sempre no mesmo local, perdido e deslocado numa paisagem natural, transformando-se assim numa realidade dissonante e inexplicável.
O fotógrafo regressou deliberadamente a este local, durante 5 anos, na procura dum significado e desejando construir a imagem testemunho duma consonância entre aquele objeto e a paisagem.
Esta busca revelou-se infrutífera, e as imagens permaneceram como que encapsuladas numa deriva de significado real. Ainda que o significado documental destas imagens permaneça por desvendar e revelar, o seu trajeto de exploração sensível, este resgate, agora, ao tempo e ao lugar da sua produção, incorpora-lhe um “punctum” expandido.
O significado destas imagens não se encontra mais isolado, absorto em si mesmo, ele vai de encontro, embora não de forma premeditada, a um corpo de trabalho, posterior, de captura dos vestígios humanos na paisagem, através das vivências marginais ligadas à prostituição.
Só a fotografia permite esta elaboração complexa dos significados para lá da sua natureza temporal e do seu contexto matricial, como meio privilegiado de, no cerne da realidade, fazê-la derivar para o território da contradição e da sua própria impossibilidade.
Assim, esta série de imagens é reveladora do confronto que a fotografia tem desde sempre com a representação da realidade. A sua aptidão histórica e ontológica de revelar e testemunhar tem enfrentando, desde sempre, os fantasmas dos significados e realidades que não se deixam capturar ou cuja trajetória permanece indefinida e volátil.
Valter Vinagre procede sempre a um labor de visibilidade do contraditório, através duma continuada pesquisa da imagem do vestígio, ou daquilo que o filósofo Jacques Rancière designa como “efeito em substituição da causa”, resguardando qualquer imagem da sua fácil condição voyeurística.
A condição destas imagens é assim a da possibilidade de representar através da exigência ao espetador da dura e difícil tarefa de elaborar uma imagem sensível.
Olhar é hoje um dos mais complexos sistemas da cultura contemporânea, e são as imagens que exercem a liberdade dos seus significados que podem tornar-nos mais políticos, face à realidade que nos devolvem.
Emília Tavares. Lisboa, 2016